O 2º Trimestre chega com a
comemoração dos 50 Anos do 25 de Abril. Os autores foram escolhidos no âmbito
desta comemoração. Assim, em Abril estaremos com “Portugal, a Flor e a Foice”
de J. Rentes de Carvalho.
Blogue da Comunidade de Leitores da Biblioteca de S. Domingos de Rana - Cascais - Portugal
O 2º Trimestre chega com a
comemoração dos 50 Anos do 25 de Abril. Os autores foram escolhidos no âmbito
desta comemoração. Assim, em Abril estaremos com “Portugal, a Flor e a Foice”
de J. Rentes de Carvalho.
Ontem tivemos mais uma atividade fora de portas: manhã de poesia no Cemitério dos Prazeres, onde homenageámos alguns dos poetas, ali eternamente residentes: Mário Cesariny, Jorge de Sena, Cesário Verde, Al Berto, António Ramos Rosa e Alcipe, Marquesa de Alorna. Com um programa bem delineado e coordenado pelo Manuel Nunes e pela Paula Silva, a quem todos agradecemos, para além de ficarmos a saber um pouco mais da vida daqueles poetas, foram ditos vários dos seus poemas pelos nossos inspirados leitores. Uma bonita manhã de quase Primavera que terminou com mais um salutar almoço convívio.
Poema
Em todas as ruas te encontro
A abrir
“Estava ali havia um bom pedaço
vindo da esquina até defronte do prédio onde ela servia, enervado de esperar
tantos minutos, pois já lhe assobiara o sinal combinado e ela ainda não
aparecera, nem sequer à janela, aquietando-lhe a dúvida que começava a
preocupá-lo.
Naturalmente dera-lhe trela
naquele Santo António por desfastio ou porque a noite convidava à conversa.
Abalara até ao Rossio, embora cansado do trabalho do armazém, mas mais cansado
ainda dos maus modos dos primeiros-caixeiros, piores no trato do que os patrões,
convencidos de que assim chegariam mais depressa a sócios da casa.
Encaminhara-se para ali fugindo à solidão do quarto, que lhe aumentava as dores
de cabeça que trazia do emprego. Tinham fechado mais cedo, porque os santos
eram dias alumiados e, talvez também pelo hábito de sair só depois da uma hora
batida, se sentira atraído pelo ruído da rua. Não procurara com quem
acamaradar; escusara até, com um pretexto qualquer, a companhia de outro
hóspede da casa, entristecido pelas saudades da sua aldeia de mistura com
queixumes da vida. Mudara de fato e saíra, metendo no bolso umas moedas para
beber o seu copo e arranjar, se calhasse, uma moça para passar o tempo, pois,
em noite de bailaricos e fogueiras, as mulheres acessíveis são ainda mais
fáceis…”
In “Os Reinegros” de Alves Redol
Alguns leitores da
Comunidade estiveram na passada sexta-feira, dia 2, no Supremo Tribunal de Justiça.
Cumpria-se a apresentação do romance de Carlos Querido a cargo do Juiz
Conselheiro Henrique Araújo, presidente daquele Tribunal.
A intervenção de
Carlos Querido integrou uma alusão à Comunidade e à nossa participação em
anteriores sessões sobre obras suas, nomeadamente as que tiveram lugar na Feira
do Livro em torno do romance histórico “A
Redenção das Águas” e da colectânea de contos “Habeas Corpus”.
De “Alegações Finais”, destacamos a lição de vida que o enredo contempla, a história de um advogado, filho de famílias humildes, que não obstante o triunfo profissional não logrou alcançar uma vida feliz face a desvios de carácter que lhe arruinaram o casamento. O romance desenvolve-se segundo um registo de escrita em que a voz do narrador se confunde com as das personagens e as suas correntes de consciência. Julgamos surpreender muitas das preferências artísticas, literárias e musicais do autor frequentemente trazidas ao curso da história. Claro que a actividade profissional de Carlos Querido (juiz desembargador) sente-se presente em todo um conjunto de termos e procedimentos jurídicos que, tratando-se o protagonista de um advogado, dão consistência ao discurso narrativo. Terão tido sucesso as alegações finais da infeliz personagem na sua tentativa de reganhar a harmonia conjugal? O romance não o diz, terminando de uma forma que permite considerá-lo como uma “obra aberta”.
O DRAMA EM GENTE
Fingiram todos,
todos me fingiram
e em tradição me deram
fingimento
É certo que eram outros
tempos outros,
em que ser muitos
era coisa ausente
Mas todos me fingiram
e ensinaram
que o comboio de corda
pode ser
de corda a sério,
não de coração
Também eu tive,
embora em outra esfera,
outras noites de verão
Nada lhes devo
e em tudo, embora,
devedor lhes sou
Que os séculos agora
lhes dêem o sossego
ou dêem nada –
Ou nem que seja
a dor do universo,
como a dor de cabeça
infinita, silente,
de que padeço para sempre
e desde
que eles vieram
visitar-me os sonhos
- ANA LUÍSA AMARAL, Escuro, 2014
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
- FERNANDO PESSOA, Presença, nº 36, Novembro de 1932
“… Elena atravessou, está dentro da colónia. Fê-lo às primeiras horas, ao abrir da fronteira. Andou a fazer tempo nas proximidades enquanto tomava um café – mais chicória do que outra coisa – num pequeno quiosque situado junto da fronteira até que viu aparecer o doutor Zocas, que naquela manhã tinha servido no Colonial Hospital. Foi ao encontro dele com ar casual, que surpresa, doutor! Et cetera, e assim atravessaram junto a fronteira, a conversar com aparente naturalidade enquanto ela disfarçava a tensão: um olhar rotineiro dos alfandegários britânicos, uma saudação destes a Zocas, o longo percurso através da pista do aeródromo e Casemates Square até se despedirem na Main Street…”
In “O Italiano” de Arturo Pérez-Reverte
“…Brilha o céu, tarda a
noite, o tempo é lerdo, a vida baça, o
gesto flácido. Debaixo de sombras irisadas, leio e releio os meus livros,
passeio, rememoro, devaneio, pasmo, bocejo, dormito, deixo-me envelhecer. Não consigo comprazer-me desta
mediocridade dourada, pese o convite e o consolo do poeta que a acolheu. Também
a mim, como ao Orador, amarga o ócio, quando o negócio foi proibido. Os dias
arrastam-se, Marco Aurélio viveu, Cómodo impera, passei o que passei, peno
longe, como ser feliz? Mara, mais além, borda, sentada numa cadeira alta de
vime, junto aos degraus da porta. Há́ pouco, ralhava com as escravas. Agora
ri-se com as escravas. Em breve ralhará com as escravas. Do local em que me
encontro não consigo ouvi-la, mas quase adivinho as razões dos risos e dos
ralhos. É-me agradável saber que Mara está perto, e reconhecer-lhe tão bem,
desde há́ tantos anos, os trejeitos e os modos. Momentos atrás, sem nenhuma
razão especial, veio até junto de mim, com o seu animal de regaço que é agora
um gato cinzento, depois de, em hora nefasta, ter perdido a rola, muito alva,
que lhe vinha comer à mão…”
In “Um Deus Passeando pela
Brisa da Tarde” de Mário de Carvalho
2023
veio com nuvens negras a pairar sobre o mundo em geral e em particular na
Europa, resultantes de uma grande crise económica e social relacionada ainda
com a pandemia do Corona Vírus e, sobretudo, com a guerra Rússia /Ucrânia, cujo
final não tem fim à vista. Lá mais para o final do ano outra guerra veio adensar
as preocupações e aumentar as angústias globais, com o conflito
Israel/Palestina. O mundo está a mudar e não é para melhor e todos estamos
envolvidos nessa mudança.
Felizmente,
no que toca a esta Comunidade e ao seu amor pelas leituras, a palavra crise não
entra neste cenário e arrancámos para mais 365 dias de bons livros. Antes
disso, realizámos um animado jantar convívio para celebrar a chegada do novo
ano.
Janeiro
chegou muito friorento, mas isso não impediu que 17 leitores estivessem
presentes na BSDR, para mais uma sessão animada em torno da sátira de André
Gide “As Caves do Vaticano”. O primeiro livro do trimestre, que tinha o mote
“Romance e Modernismo”, agradou bastante aos leitores (apenas um não tinha
ainda terminado a leitura) que se divertiram com as personagens criadas pelo
escritor francês. Partindo de um rumor de que o Papa tinha sido sequestrado,
Gide constrói uma trama, em que um grupo de vigaristas tenta ganhar dinheiro
para libertar o Pontífice. Uma rede de personagens algo perturbadoras, cujos
sentimentos e escolhas apontam a uma crítica social e moral, ajudam a construir
uma estrutura narrativa aliciante, que à época entrou na lista negra da igreja
católica. Para nós foi mais uma boa opção de leitura.
Em
Fevereiro fomos à descoberta de um daqueles autores que todos conheciam, mas
que poucos tinham lido: James Joyce e o seu “Retrato do Artista quando Jovem”.
Foi uma leitura corajosa, tendo em conta as dificuldades que a maioria
encontrou pelo caminho. No entanto, a história (que todos consideram
autobiográfica) de crescimento do escritor, que acompanha a sua infância até à
idade de jovem adulto, agarrou-nos e não nos fez desistir. Resistimos a todos
os considerandos políticos irlandeses e à longa ambiência da educação jesuíta.
Os contributos dados pelos leitores na sessão, acabaram por tornar mais lúcida
e compreensível a apreciação do romance. Tanto que, houve quem começasse a
perfilar a leitura de “Ulisses”. No final ficou uma questão: terá Fernando
Pessoa lido James Joyce? Algumas pistas no romance, justificavam a pergunta.
Uma investigação posterior confirmou o facto, mas com aparente pouco entusiasmo
(na leitura do Pessoa, não na investigação). A sessão contou com 20 presenças e
5 que não tiveram tempo de concluir a leitura.
O
trimestre terminou com mais uma densa narrativa introspetiva. O "Jogo
da Cabra Cega" de José Régio, tornou longo o mês de Março para a maioria
dos leitores. Um romance, também ele autobiográfico, que deixou na maior parte
dos leitores uma impressão de cansaço, devido a uma procura do “eu” muito
conturbada e por vezes confusa. Régio não foi um escritor de agrado global, mas
teve o mérito de ocupar animadamente as duas horas e meia da sessão, levantando
muitas questões pertinentes, sentimentos diferentes e reações diversas à
leitura. 18 presenças, sendo que, 4 dos participantes, não acabaram a leitura.
O segundo trimestre chegou
sob o mote “Romance e Contos de Autores Portugueses”,
iniciando em Abril com “Os Amantes e outros Contos” de David
Mourão-Ferreira. Os contos foram do agrado geral, embora quase todos
reconhecessem alguma dificuldade em seguir o labiríntico pensamento dos mesmos
e a utilização frequente do fantástico. Uma escrita escorreita, elegante, delicada
e poética foram também alguns dos adjetivos usados pelos leitores. Outros
sentiram a leitura como uma espécie de flashes contínuos, a proporcionarem uma
experiência cinematográfica em forma de escrita. Estiveram presentes 20 leitores, sendo que 2
não leram o livro.
Em
Maio, foi a vez do romance de Manuel da Fonseca, “Cerromaior”. Obra do
neorrealismo (apesar de questionado pelos puristas do estilo), centra-se numa
imaginária vila alentejana, retratando o espaço social, ético e político dos
anos 30/40. Da família de latifundiários, classe social dominante, a uma GNR
aliada aos poderosos, tudo se conjuga para a exploração do proletariado rural
que vive numa constante miséria humana onde tudo falta e nada parece ter
futuro. Há, no entanto, alguma réstia de esperança, no facto de Adriano,
personagem principal do romance, ter um percurso de crescimento e evolução que
o levam a questionar as injustiças sociais e a falta de dignidade existente no
tratamento dado aos trabalhadores. 20 presenças e 3 leitores que não leram o romance.
A terminar o segundo trimestre, Junho trouxe-nos “Sombras da Raia” de Nuno Franco Pires. A presença do escritor que amavelmente aceitou o nosso convite, trouxe-nos uma outra dinâmica, acrescentando informação e muitas outras histórias relacionadas com o romance. Começando com o início da sangrenta guerra civil espanhola (que provocou centenas de mortos em Badajoz), acompanhamos uma história de gerações que atravessa a vida de 3 famílias da raia, entre 1936 e 1918. Entre Badajoz e Elvas cruzam-se os destinos de Clara, Miguel e Inês. Através deles descobrimos uma teia de enganos e segredos, há muito escondidos pelas suas famílias. Um enredo bem trabalhado, com todo um naipe de personagens fortes, dá-nos ainda a conhecer, a evolução da doçaria mais conhecida da região, a famosa ameixa de Elvas. Ficou em aberto a organização de uma deslocação a Elvas, para seguirmos os roteiros que nos são dados a conhecer no romance. 22 presenças e 3 que não leram.
Julho
chegou e com ele demos início ao terceiro trimestre sobre o mote “Romances de Férias”.
“Niketche: Uma História de Poligamia”, de Paulina Chiziane, foi o livro
escolhido. Uma voz feminina a refletir sobre a condição da mulher moçambicana e
a vinculação e submissão a uma sociedade patriarcal muito enraizada, contra a
qual é difícil lutar. Uma escrita fluída, por vezes lírica e até bem humorada,
a tratar um tema delicado. Uma sessão com bons contributos dos 19 leitores
presentes, em que apenas 1 não leu o romance em apreço.
A
fechar o mês de Julho e ainda no rescaldo do livro de Maio, um grupo de
leitores fez uma visita a Vila Franca de Xira, com particular destaque para o Museu
do Neo-Realismo que embora já conhecido pela maior parte da Comunidade,
justifica sempre a visita.
Agosto
trouxe “Os Anos” de Annie Ernaux, prémio Nobel de 2022. Uma autobiografia
num registo muito fotográfico, escrita num formato de pequenos textos que
parecem retirados de cadernos diários. Embora com a sua visão muito pessoal,
pode dizer-se que é também uma crónica da segunda metade do séc XX focada na
vivência francesa, apesar de algumas incursões internacionais. Foi do agrado geral
das 20 pessoas presentes, em que 2 não leram o livro.
Em
Setembro lemos a “A Trilogia de Nova Iorque” de Paul Auster. Três
histórias um pouco sombrias, que nos levam pelo fascinante e misterioso
submundo nova-iorquino num formato muito cinematográfico. Quem conhece bem e
gosta deste escritor, conseguiu enredar-se facilmente nos labirintos criados
por si. Quem teve um primeiro contacto com a sua escrita, sentiu alguma
resistência e dificuldade na leitura. 19 pessoas presentes e 6 que não leram.
O
último trimestre no ano, cujo mote foi “Outros Géneros”, trouxe-nos em Outubro
um livro diferente, mas muito apreciado pela generalidade dos leitores: “O
Infinito num Junco” de Irene Vallejo. Uma obra que anda entre o ensaio, o
relato ou mesmo uma tese, acaba por ser um romance que nos leva numa longa
viagem através do tempo e do espaço, de um objecto criado para transportar as
palavras. É um livro sobre a história e a evolução dos livros, da antiguidade
clássica até aos nossos dias. 17 pessoas presentes e 4 que não leram.
Ainda
em Outubro e na rota do livro lido em Junho, “As Sombras da Raia”, um pequeno
grupo desta Comunidade rumou num Domingo até Elvas, tendo seguido os passos de
muitas das personagens daquele romance. Como sempre, ficaram memórias boas que
vão construindo a história desta Comunidade.
Em
Novembro abordámos o teatro, através de uma das tragédias Shakespeariana: “O
Rei Lear”. Lear, o monarca que renuncia ao poder, com a intenção de dividir o
seu reino pelas três filhas, em função do amor que estas lhe devotam. Gloucester,
um conde que vê um dos filhos trair o outro para usurpar o poder. Vaidade,
lisonja, adulação, ódio, traição, mentira, loucura fingida, caminham lado a
lado com amor filial, razão, lealdade, fidelidade, dever e generosidade. A
natureza humana no seu pior e no seu melhor. Uma tragédia, com raios de
comédia, sobretudo através das intervenções do Bobo da corte. Apesar da maior
parte dos leitores preferir ver teatro a ler teatro, o livro foi bem recebido e
do agrado de todos, proporcionando uma sessão agradavelmente participada. 27
presenças e 4 pessoas que não leram.
Para terminar o ano numa
forma mais lúdica e poética, continuando no tema – outras leituras-, Dezembro
trouxe com ele a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen e o livro “Dual”.
Como diz Eduardo Lourenço no prefácio deste livro, “… Sophia foi musa de si
mesma e talvez a isso se refira o misterioso e luminoso título Dual, dualismo
de natural fusão de duas faces de si mesma…”. A casa, Delphos, o mar, os nossos
poetas, a mitologia grega e a memória, entre outros, espelham-se ao longo da
poética de Dual. No início da sessão questionava-se se a escolha de um livro de
poesia teria sido acertada e que tipo de discussão daí poderia surgir. Os 21
leitores presentes (onde apenas 2 não leram) não desiludiram e todos tiveram
algo a dizer e também a aprender, com esse Universo único que é Sophia.
E foi assim este ano de
leituras partilhadas, num entusiasmo permanente dos muitos leitores que
mensalmente marcaram presença nestas sessões. A Comunidade está de boa saúde e
tem crescido com a chegada de novos leitores ao longo do ano. Como sempre, cumpre-nos agradecer à
Biblioteca de São Domingos de Rana e aos seus responsáveis, a cedência do
espaço, a sua disponibilidade e apoio imprescindível.
Bom Ano 2024!
= TALVEZ ROMANCE HISTÓRICO
- JAN 26 Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, de Mário de Carvalho
- FEV 23 O Italiano, de Arturo
Pérez-Reverte
- MAR 22 Os Reinegros, de Alves
Redol
= NOS 50 ANOS DO 25 DE ABRIL
- ABR 26 Portugal, a Flor e a
Foice, de J. Rentes de Carvalho
- MAI 31 Os Meninos de Ouro, de
Agustina Bessa-Luís
- JUN 28 Os Memoráveis, de Lídia Jorge
= ROMANCE! ROMANCE! ROMANCE!
- JUL 26 Justine, de Lawrence Durrel
- AGO 30 Praça do Rossio, Nº 59, de
Jeannine Johnson Maia
- SET 27 Berta Isla, de Javier
Marías
= OUTROS GÉNEROS
- OUT 25 A Festa de Babette, de Karen Blixen
- NOV 29 Pura Memória, de Emília
Amor
- DEZ 27 O Eremita Viajante, de Matsuo Bashô
MEDITAÇÃO DO DUQUE DE GANDIA SOBRE A MORTE DE ISABEL DE PORTUGAL
Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.
Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
Nunca mais te darei o tempo puro
Que em dias demorados eu teci
Pois o tempo já não regressa a ti
E assim eu não regresso e não procuro
O deus que sem esperança te pedi.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, Mar Novo (1958)
"Altas marés no tumulto me ressoam
E paredes de silêncio me reflectem."
A terminar um ano rico de leituras, a bela poesia da
Sophia.
A despedida de Cordélia – Edwin Austin Abbey (1852-1911)
Rei Lear chora sobre o corpo de Cordélia, James Barry (1741-1806)
No próximo dia 17 de Novembro, na Universidade Lusófona, o nosso amigo e coordenador Manuel Nunes, apresenta mais um livro de poesia. Divulgo e deixo o convite. Parabéns e muito sucesso, Manuel!
Em Novembro mergulhamos no
universo dramático de Shakespeare. O Rei Lear leva-nos às profundezas da natureza
humana, aos seus vícios e defeitos, mas também às suas melhores virtudes. Sentimentos
como a crueldade, o ódio e a traição, entre outros, andam de mãos dadas com a
lealdade, a devoção e o amor…
Na sequência da leitura de Sombras da Raia, a Comunidade foi a Elvas. Um pequeno-grande grupo de 12 leitores. Aí fica o testemunho sumário nestas fotos. Acabámos na Casa da Cultura (antigos Paços do Concelho, edifício de 1538 do arquitecto Francisco de Arruda) onde se inaugurava a exposição Os Dois Lados, do artista JOÃO PEIXE: 17 trabalhos em madeira que vão estar patentes até 11 de Novembro. Expressão artística inabitual de grande sensibilidade e valor.
Um livro sobre a evolução
dos livros, uma longa viagem pela rota de um objecto, criado para transportar as
palavras através do tempo e do espaço…
A Trilogia de Nova Iorque, inclui os contos Cidade de
Vidro, Fantasmas e O Quarto Fechado à Chave. São três histórias misteriosas no
fascinante submundo de Nova Iorque.
Sinopse
Estendendo-se por um período
que vai de 1941 a 2006, em Os Anos conta-se uma história que é
simultaneamente coletiva e pessoal, transversal e intimista, de sessenta anos
da vida de um país e da vida de uma mulher. Através de pequenos fragmentos
narrativos, por meio da relação entre fotografias, canções, filmes, objetos ou
eventos da história recente, mais do que uma desconcertante autobiografia,
Annie Ernaux constrói uma recordação de um «nós», num relato sobre o que fica
quando o tempo passa: «Tudo se apagará num segundo [...] Nem eu nem mim. A
língua continuará a pôr o mundo em palavras. Nas conversas à volta de uma mesa
em dia de festa seremos apenas um nome, cada vez mais sem rosto, até
desaparecermos na multidão anónima de uma geração distante.»
Sob
o mote -Romances de Férias- iniciamos o 3º Trimestre com a escrita de Paulina
Chiziane e a história de Rami e o caminho que vai percorrer ao descobrir a poligamia
do marido.
De 1936 a 2018 existem segredos
ocultos nas sombras da raia (Badajoz e Elvas) e uma teia de mentiras e enganos
guardados por três famílias ao longo de gerações. São essas as histórias que
vamos descobrir com a leitura do mês de Junho, cuja sessão contará com a
presença do autor, Nuno Franco Pires.
No 2º
Trimestre, sob o mote “Romance e Conto de Autores Portugueses”, iniciamos em
Abril com Os Amantes e outros Contos, de David Mourão-Ferreira.
Do romance que escreveu em
1934, início da sua carreira literária, José Régio disse mais tarde: «…É um
livro de abandono e excesso, em que o escritor estava ainda muito adolescente.
Não pense que o desestimo, gosto muito de o ter escrito com aquela coragem
quase inconsciente...».
O ano de 2022 chegou, ainda
sob a tempestade pandémica do Corona vírus, mas já com alguma luz ao fundo do
túnel. O sucesso da vacinação, aliado à menor perigosidade das mutações do
vírus, apontavam no sentido de um cenário endémico.
Para o 1º trimestre, sob o
tema “Horas do Conto”, janeiro trouxe os “Contos Exemplares” de Sophia de
Mello Breyner Andresen. Estiveram presentes 19 participantes, dos quais, apenas
1 não leu o livro. Este, reúne sete contos de alguma temática recorrente em Sophia,
nomeadamente os valores cristãos e a repressão salazarista. As histórias são apresentadas,
não de forma agressiva, mas subtilmente, quase com encanto e algum misticismo e
sobretudo com muitas metáforas, onde Deus e o Diabo ou o Bem e o Mal, se
escondem nas diferentes personagens. Dadas as contribuições de todos os
presentes, confirmou-se o interesse e o agrado geral nesta leitura.
Em fevereiro lemos “Histórias
de Mulheres” de José Régio. A sessão realizou-se no dia 25. No dia
anterior, a Rússia invadiu a Ucrânia o que, não sendo propriamente uma
surpresa, deixou o mundo em estado de choque. Ninguém queria acreditar numa
guerra há muito anunciada. Afinal o
Homem continua a não aprender com os erros e a esquecer rapidamente a História…
Numa sessão que contou com 18
presenças e onde mais uma vez só uma pessoa não leu o livro, a coletânea de
contos de Régio proporcionou mais uma reunião animada e participada. Estávamos
perante um ambiente ficcional dominado por personagens femininas, cuja acção se
desenrola nos anos 30/40 quer em meio rural quer em meio citadino. Todo um
conjunto de mulheres ora apresentadas em contexto individual (com uma conduta
mais fechada, particular e por vezes grotesca), ora em contexto colectivo
(socialmente mais vazias, fúteis e dominadas pela aparência). Todas estas
figuras construídas com mestria e a dar forma a histórias curiosas que
agarraram os leitores, levando cada um à sua própria interpretação.
Em março terminámos o ciclo
dedicado aos Contos, com a Agustina Bessa-Luís e os seus “Contos Impopulares”. Estes
contos (catorze), ora muito pequenos ora quase a roçar uma história mais
profunda, apresentam um traço comum: uma certa tendência de decomposição.
Metáfora para uma sociedade decadente?
Vinte e um membros presentes
numa sessão em que foi dito, por exemplo, que: “ler Agustina é como ler uma
língua estrangeira”, “as palavras são o corpo das suas ideias”, “mesmo não
sentindo uma empatia especial, há que reconhecer a genialidade da sua escrita”
ou “é de uma leitura difícil mas, absolutamente cativante”.
Em abril iniciámos o 2º
trimestre, sob o lema “A sul da américa, a oeste do sonho”. O autor escolhido
para este mês foi Luís Sepúlveda e os seus romances “História de uma Gaivota e
do Gato que a Ensinou a Voar” e “O Velho que Lia Romances de Amor”.
Zorbas, o gato grande preto e gordo e o seu
bando de amigos gatos, unem-se num maravilhoso espírito de grupo, para educar e
ensinar a voar, a pequena gaivota Ditosa, órfã de Kengah, a sua mãe vítima de
uma maré negra. A este grupo junta-se no final um humano “O Poeta”, que dá a
ajuda final ao voo inaugural de Ditosa. Sentimentos bonitos como a amizade,
lealdade, companheirismo, proteção, confiança, coragem e responsabilidade, entre
muitos outros, são a tónica dominante no conto.
“O Velho que lia romances de amor”, fala-nos
da paixão pela leitura e é um hino ao amor pela Natureza e sobretudo à floresta
Amazónica. António Bolivar não sabia escrever, mas sabia ler. Os seus pertences
mais queridos eram dois: uma dentadura postiça e uma lupa que o auxiliava na
leitura, dos seus amados romances de amor.
A escrita maravilhosa de
Sepúlveda encantou-nos por inteiro. Nesta sessão em que foi finalmente liberada
a obrigação imposta pela Pandemia do uso de máscara e em que voltámos a ver por
inteiro a cara uns dos outros, estiveram presentes 19 leitores, tendo todos
lido os dois livros.
O mês de maio trouxe-nos Mark
Twain e as Aventuras de Huckleberry Finn. Descer o Mississipi, primeiro numa
canoa, depois numa balsa e logo a seguir numa jangada, percurso constantemente
embrulhado em aventuras e desventuras, foi a tarefa a que se propôs Huck, que encontrou
no fugitivo escravo Jim, um inesperado companheiro de viagem. Parecendo um
romance direcionado para os jovens, ficou a dúvida se estes terão a devida
maturidade para entender o mesmo. Catorze presenças e um que não leu, foi a
estatística registada.
A fechar o trimestre
descobrimos em junho o escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez e uma história
que nos levou ao mundo dos emigrantes alemães chegados à Colômbia alguns anos
antes da II Guerra Mundial. “Os Informadores” é uma história que nos fala de
memórias, de dilemas éticos, de culpa, de invasão do passado no presente e
sobretudo de redenção e perdão. Numa sessão em que estiveram presentes apenas
13 elementos, dois dos quais não leram o livro, o romance de Vásquez foi bem
acolhido tendo proporcionado ótimos momentos de leitura.
No terceiro trimestre e de
acordo com o tema “Há mais Mundos”, escolhemos livros de que toda a gente fala,
mas que muitos nunca leram. Em julho “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan
Swift e em agosto “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll,
transportaram-nos a mundos de fantasia e sonhos. O primeiro é uma espécie de
comédia incompreendida e o segundo aproxima-se de uma narrativa com carácter de
absurdo, sempre a contornar as regras da lógica. Cerca de uma vintena de
participantes em ambas as sessões, divertiram-se a escrutinar setas fantasiosas
aventuras. Em setembro, o grande clássico da ficção científica “A Guerra dos
Mundos”, de H. G. Wells, deu luta na discussão, enriquecida pelas
diferentes opiniões dos leitores presentes. Uma conclusão comum foi a de que, o
ser humano perante o desconhecido, o medo e a histeria coletiva, perde a sua
humanidade e pode tornar-se selvagem. Dezanove leitores presentes, tendo todos
lido o romance.
Com outubro chegou o 4º
trimestre, sob o mote “Saramago e Saramaguianos”. Iniciámos com o “Manual de
Pintura e Caligrafia, de José Saramago”, discutido numa sessão onde
estiveram presentes 20 leitores e apenas um, não leu o livro. Embora este seja
o segundo romance de Saramago é já um tratado de bem escrever, um longo caminho
de autoconhecimento e uma viagem pelo mundo da arte. Ninguém ficou indiferente
à beleza da escrita e à sua peculiaridade. Diz o narrador em determinado
momento “…É sobretudo a ideia do prolongamento infinito que me fascina…” A nós,
o romance fascinou-nos do início ao fim.
Em novembro lemos “Os Malaquias”, de
Andréa del Fuego. Acompanhámos a insólita história da família Malaquias, numa
paisagem rural transformada pela construção de uma barragem. Romance áspero,
mas ao mesmo tempo poético, salpicado de algum realismo mágico, onde a morte
anda de mãos dadas com a vida. Dezassete leitores presentes e todos leram o
livro. Uns ficaram encantados outros nem tanto, o que, como sempre, apenas
serviu para enriquecer a discussão.
Dezembro chegou e com ele o
último livro do ano “Os Transparentes”, de Ondjaki. Uma história centrada
num prédio de Luanda, onde, quer os seus habitantes, quer quem por lá passa,
enfrenta a dura realidade diária, entre uma alegria genuína e uma melancolia persistente.
Os dramas de cada um cruzam-se com os dramas alheios, criando um complexo enredo
de histórias impensáveis. Uma escrita lírica, mas mordaz e satírica, a revelar
a realidade quotidiana da cidade e das suas pessoas. Ficou a pergunta: quem são
os transparentes? Aqueles que pela sua insignificância não são vistos ou aqueles
que pela sua pobreza se tornam invisíveis? Dezassete pessoas presentes, cinco
que não leram ou ainda com a leitura em curso. Um livro que foi do agrado de
todos os presentes.
E foi assim mais um ano rico
de partilhas literárias, sempre com muitos leitores presentes, confirmando que
a Comunidade de Leitores está viva e recomenda-se. À nossa Biblioteca e aos
seus responsáveis, o nosso agradecimento pela disponibilidade do espaço e apoio
permanente.
A todos um Feliz 2023!